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É amargo, mas deixa de doer.

Confuso, não? Porém, essa foi a reflexão que me peguei tendo após ler o livro ‘Amor Amargo’, da escritora Jennifer Brown. Não sabia sequer da existência desse livro, até meu aniversário, quando uma amiga me presenteou com um exemplar, do qual segue abaixo a sinopse:


“Último ano do colégio: a formatura da estudiosa Alex se aproxima, assim como a promessa feita com seus dois melhores amigos, Bethany e Zach, de viajarem até o Colorado, local para onde sua mãe estava indo quando morreu em um acidente. O Dia da Viagem se torna cada vez mais próximo, e tudo corre conforme o planejado. Até Cole aparecer. Encantador, divertido, sensível, um astro dos esportes. Alex parece não acreditar que o garoto está ali, querendo se aproximar dela. Quando os dois iniciam um relacionamento, tudo parece caminhar às mil maravilhas, até que ela começa a conhecê-lo de verdade.”


Livros com sinopses desse estilo e escrita simples são facilmente encontrados aos montes nas prateleiras da seção infanto-juvenil de qualquer livraria. Alguns se dão o trabalho de ler, outros repugnam até mesmo o cheiro do caráter comercial que esses livros vêm assumindo cada dia mais.


'Amor Amargo' não foge à regra. Não há nada de inovador na história de uma adolescente americana no ensino médio que não possuí autoconfiança e que vê sua vida se transformar após a aparição repentina de um cara que “incrivelmente” a nota. Então, o que há de especial no livro?


O especial do livro é exatamente esse: não há nada de inovador na história. Fora os conhecidíssimos padrões de vida estadunidenses, a história de Alex, infelizmente, pode ser a história de qualquer garota independente de idade, condição socioeconômica ou nacionalidade.


O Livro


A narrativa é desenvolvida nas relações de Alex com o pai, ausente e vazio desde a misteriosa morte da mãe, os melhores amigos de infância e o namorado Cole. A narração em primeira pessoa torna fácil a compreensão de como Alex lida com as ausências e, acima de tudo, com o namoro.


O namoro de Alex começa como qualquer história romântica cotidiana poderia começar, mas, em algum momento não especificado, o que parecia história de conto de fadas começa a apresentar características de filme de terror, daqueles que te deixam sem dormir.


“Como era possível que esse fosse o mesmo cara que tinha colocado a mão sobre a minha, como todo o carinho do mundo, dedilhando cordas de violão e transformando em música meu poema? Como era possível que essa fosse a mesma pessoa em quem havia depositado toda a minha confiança no topo do vertedouro?”


Cole agride Alex diversas vezes e a narrativa se transforma no conflito da personagem sobre pedir ajuda, perdoar e vários outros fios que vão se tecendo e se embaraçando, de forma a colocar qualquer leitor em desespero, com vontade de gritar com a personagem e implorar para que ela saia dali.

“Eu estava morrendo de vergonha. Não conseguia nem me imaginar contando aquilo para alguém. Aquilo me fazia parecer idiota, ingênua e carente, e eu sabia que não era nenhuma dessas coisas. Sabia que a explicação não era assim tão simples. Mas ninguém mais entenderia.”


Após várias situações similares, Alex, finalmente, consegue romper com todas as barreiras criadas pelos “e se” e os abusos psicológicos para pedir ajuda. Sinto muito se soou como spoiler, mas o fato é que, se você sabe como isso funciona na realidade, não foi spoiler algum. Na verdade, foi só mais um dos desfechos que esse tipo de história pode ter.


A Realidade


“Era como ver a mim mesma da entrada de um longo túnel escuro. A pobre garota na saída, esta sim estava arrasada, confusa e cheia de hematomas. E eu morria de pena dela, quem quer que ela fosse.”

Nesse trecho, mais do que em qualquer outro, fica claro que essa história não é apenas mera ficção. Essa não é apenas a história de Alex. Essa é também a história de Ana, Juliana, Camille, Frida, Jadde, Kiomi, Maria e tantas outras mulheres com tantas outras faces da mesma história para mostrar.


Quando li o livro, senti e re-senti coisas horríveis. Coisas com as quais me identifiquei e acabei recordando de situações extremamente dolorosas, coisas pelas quais nunca passei e que mesmo assim doeram muito, pois sei que há quem passe e também sei que, apesar de tudo, ainda corro o risco de passar simplesmente por existir nessa sociedade patriarcal, a sociedade que invisibiliza o abuso.


O abuso que se esgueira pelas mais diferentes classes, pelas mais diferentes culturas, com as mais diferentes máscaras. Máscaras de silenciamento e de dor. Diferente de um livro, não acaba na leitura da última página. Diferente da história narrada por Alex, nem sempre o fim significa recomeço. Mas isso não quer dizer que não possa ser assim.


A Luta

“A mamãe estava morta, e nada que fizéssemos poderia trazê-la de volta. Mas eu estava viva. No meu caso, ainda restava um fio de esperança.”

Não quer dizer que só porque não é Alex, alguém não possa fazer o mesmo que ela. Na realidade, precisamos procurar fazer como ela. Precisamos ensinar que é possível fazer como ela, que é possível pedir ajuda, que nós ainda estamos vivas. Nós ainda possuímos um fio de esperança.




Não é mágico e simples como escrever parágrafos. A luta é árdua e longa. Porém, é uma luta necessária para impedir que a regra dos amores amargos se perpetue eternamente e é por isso que a luta continua.


A verdade é que o amor pode, sim, ser muito amargo, mas que, mais dia menos dia, ele deixa de doer.


| Foto: Letícia Michalczyk |

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